Aumento de contratos por hora em supermercados preocupa especialistas por possível precarização do trabalho

Contratos por hora em supermercados ganham força e aumentam precarização. Especialistas alertam sobre salários baixos, perda de direitos e impactos na saúde dos trabalhadores, especialmente entre os mais jovens.
Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Enquanto empresários do setor supermercadista defendem o contrato intermitente como alternativa à “falta de interesse dos jovens” por vagas com jornada fixa, especialistas alertam: essa modalidade não representa modernização, mas sim precarização do trabalho. Em um momento em que o setor afirma ter 35 mil postos vagos apenas no estado de São Paulo, o discurso pela “flexibilidade” tem ganhado espaço. Contudo, pesquisadores e representantes sindicais alertam para os riscos sociais e econômicos da substituição da jornada tradicional pelo trabalho por hora.

O regime intermitente, legalizado em 2017 com a reforma trabalhista e validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2024, permite que o trabalhador tenha a carteira assinada sem garantia de jornada fixa ou salário mínimo mensal. O pagamento e os direitos — como 13º, férias e FGTS — são calculados proporcionalmente às horas efetivamente trabalhadas. Na prática, o trabalhador fica à disposição da empresa, sem previsibilidade de renda.

Segundo a economista Alanna Santos de Oliveira, da Universidade Federal de Uberlândia, essa imprevisibilidade fragiliza a organização financeira do trabalhador. “Não há como garantir que ele atinja o valor mínimo exigido pelo INSS. Em muitos casos, não terá sequer direito a seguro-desemprego ou abono salarial”, afirma. Ela destaca ainda que, para ter uma renda semelhante à de um contrato tradicional, seria necessário conciliar pelo menos três vínculos — algo difícil, dado o caráter imprevisível da convocação.

A psicóloga social do trabalho Flávia Uchôa de Oliveira, da UFF, alerta para os impactos emocionais. Pesquisas em andamento apontam que muitos trabalhadores em escala 6×1 (seis dias de trabalho por um de folga) relatam uso contínuo de ansiolíticos, antidepressivos e analgésicos para lidar com o cotidiano exaustivo. “É uma espiral de precarização que afeta diretamente a saúde física e mental.”

Além disso, o salário médio oferecido no setor, mesmo com todos os direitos garantidos, muitas vezes é insuficiente para cobrir gastos básicos. Em Nova Iguaçu, por exemplo, onde uma vaga de operador de caixa oferece R$ 1.600, os custos mensais com moradia, alimentação e energia já ultrapassam esse valor. E isso sem incluir gastos com transporte, internet, saúde ou educação.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) e o Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro são unânimes: é preciso acabar com a escala 6×1 e valorizar o trabalho com condições dignas. “Precisamos reduzir a jornada sem reduzir salários, garantir tempo para o lazer e convívio familiar”, defende Luiz Carlos Motta, da CNTC. “A juventude quer dignidade, não ser refém de um modelo que lhe tira até o direito ao descanso”, completa Márcio Ayer, da CTB.

Apesar da retórica empresarial sobre prejuízos com a possível redução da jornada, os números não confirmam esse argumento. Segundo dados do setor, os supermercados cresceram 6,5% em 2023, quase o dobro do PIB nacional, que foi de 3,4%. “Não estamos falando de um setor em crise. Há espaço para melhorar as condições de trabalho sem comprometer a rentabilidade das grandes redes”, conclui a economista Alanna Oliveira.

Em um cenário de alta desigualdade e insegurança econômica, o avanço do trabalho por hora levanta questões fundamentais sobre o modelo de sociedade que se está construindo. Para especialistas, modernização não pode ser sinônimo de desregulamentação e perda de direitos — especialmente em um setor vital como o comércio de alimentos.

Fonte: Agência Brasil


Para mais informações e outras novidades de Osasco, siga o @osasconews_oficial no Instagram e fique sempre atualizado!